Dakla - Nouadhibou

3 de Junho 2009 - 5º dia de viagem


Percurso: 428 km
Moving time: 4,30h
Total time: 7 horas

Fui ao chão. Embrulhei-me num troço de areia, o guiador dançou, a traseira atascou e fui ao chão. Cai da moto na terra de ninguém, entre o Sahara Ocidental e a Mauritânia, um campo minado entre as fronteiras dos dois países que se passa por uns trilhos no meio das minas, abertos ao longo do tempo e das passagens. Um bocado de terra, sem rei nem governo, perdido no meio do nada, seis kms de inferno de pedra e areia, povoado por vendedores e contrabandistas e profissionais do expediente que nos querem levar pelo melhor trilho até à fronteira mauritana, arranjam hotel, pedem dinheiro e cadeaux e perseguem os turistas incautos. Logo havia de cair ali. Nem posso dizer em que país cai, numa viagem por oito países fui logo cair na terra de ninguém.


Não me magoei, os meus companheiros de viagem estavam lá para me ajudar, também parou logo uma carrinha pick up de onde saiu o Ahmed que também vinha ajudar a levantar a moto. Não pegou à primeira nem à segunda. Naqueles poucos minutos de paragem fomos rodeados por gente a pedir, a sorrir, a falar numa linguagem estranha. Lá seguimos devagar, por aquela passagem que foi moldada por vários rodados de veículos. Estava aterrada, acho que naqueles 6 quilómetros transpirei 5 litros de água. Cheguei à fronteira mauritana completamente encharcada em suor. Ainda estou a tremer. O Ahmed foi também pela nossa pista e ia na conversa com o Azevedo. Na entrada da Mauritânia ofereceu os seus serviços. Tratava de todas as formalidades na fronteira, cinco euros por pessoa.

Demos os passaportes e os documentos das motos e lá foi o Ahmed falar com os funcionários da fronteira. Esperámos pouco tempo e passámos para o controlo policial. O Ahmed não largava os polícias, não largava os passaportes de vista, enxotou os outros Ahmeds todos que vêm ajudar os turistas, pedir dinheiro e enganar. Nem uma hora estivemos na fronteira à conta deste homem, com ar de boa pessoa. Veio à nossa frente até Nouadhibou, tratou com os três postos policiais até cá, nem parámos. Grande Ahmed.

O dia hoje começou mais tarde. Depois da maratona de ontem, foi-nos permitido dormir até às oito da manhã. Saímos nas calmas, pela estrada da península de Dakla, por aquela paisagem fantástica com a luz da manhã.



Continuámos pela estrada atlântica, em direcção à fronteira, uma temperatura agradável, nem frio nem calor, ideal para circular. Cerca de 400 kms de rectas sem fim. Este troço da estrada segue sempre junto à costa, pela falésia e pelo meio das dunas, juntinho à praia. Por vezes a estrada é invadida pela areia, soprada pelo vento e as bermas desaparecem, temos de circular pela faixa contrária para evitar as dunas da estrada. O vento hoje está mais forte, as motos andam de lado, levantam um rasto de areia branca, uma camada que cobre a estrada em alguns troços mais dentro das dunas.

A cerca de 98 km de Dakla passamos num ponto geográfico importante – a linha do Trópico de Cancer, paralelo marcado por um monte de pedras perdido na estrada e que encontrámos porque tínhamos as coordenadas gravadas no GPS.







Almoçámos no Barbas, o último posto de abastecimento antes da fronteira e um local famoso, conhecido por todos os Viajantes “Outlanders”. Uma omeleta rápida e um café que nos custou três euros. Estávamos com receito do tempo de espera na fronteira, o Azevedo preveniu que esperava gastar duas horas em cada fronteira e provavelmente chegaríamos já de noite ao destino, isto se tudo corresse bem. Caso houvesse algum problema teríamos de dormir na fronteira, acampados pois ele não queria circular muito tarde na noite pois é perigoso.

Os cerca de 80 kms até à fronteira foram devorados muito depressa. Estamos a aproximar-nos de uma zona de conflito, vêem-se acampamentos militares e campos de minas.







Havia muito pouco movimento na estrada, adivinhava-se pouca gente na fronteira. De facto, estavam lá meia dúzia de locais e três camiões. Esperámos apenas uma hora que os funcionários da alfândega olhassem para os passaportes. Nada está informatizado, é tudo arcaico. Um funcionário tem uma gaveta enorme cheia de cartões, tipo arquivo dos nossos avós e vai vendo se tem alguma ficha com o nosso nome. Após esta formalidade, vamos à polícia certificar as viaturas e carimbar o documento de entrada em Marrocos (papel precioso pois se o perdemos não podemos sair por qualquer fronteira, temos de sair pela mesma onde entrámos). Depois, bem depois foi a aventura da terra de ninguém.

Chegados ao Hotel, um dos poucos decentes nesta cidade, fomos recebidos pelo porteiro que mais parecia o Mike Tyson, grande, aprumadinho e até tinha um cartão de identificação pendurado na lapela. O Hotel é na numa das avenidas principais de Nouadhibou, rua movimentada que hoje estava cheia com caravanas de adeptos de um qualquer partido concorrente às eleições que vão ser no próximo fim-de-semana.

Os quartos eram bons, tinham casa de banho privativa, com chuveiro e até o pormenor de ter uns chinelos à porta da dita. Depois de um duche rápido, num chuveiro intermitente que me fez desistir de lavar o cabelo, fomos jantar um peixinho grelhado e aterrámos na cama.











5 comentários:

  1. Estou a adorar cada linha , cada quilometro da viagem, e não te preocupes que no nosso mundo motard só ha os que caem e os que dizem que nunca caem(mentirosos).continua e alimenta-te bem.

    ResponderEliminar
  2. Grande Paula!

    Que EXCELENTES crónicas...
    Vejo que está a correr tudo bem. Muitas vezes as quedas são inevitáveis. Por mais experiência que tenhamos, um golpe de cansaço, ou uma pedra escondida que lá estava à nossa espera, pode ser o suficiente. O que interessa é que ninguém se magoe e que a moto continue operacional e segura.
    Continua a escrever assim e a "colar-nos" (literalmente) ao monitor.
    Continuação de boa viagem!
    Para baixo é que é o caminho - "Bora" lá!!!!
    Paulo Mafra

    ResponderEliminar
  3. Força Paula.
    Vai dando nas orelhas a esses vadios que te desencaminharam.
    Que a viagem te continue a correr de forma agradável já que estás em boa companhia.
    Tem cuidado com o carro-vassoura porque o condutor além de usar óculos tem tendência para se pôr a olhar para as paisagens... :-)
    Mustafá

    ResponderEliminar
  4. ó ninita...uma queda tem que fazer parte senão nem era uma crónica á seria! estou como António... só não cai quem não anda de mota! diverte-te nas areias! curte ás pallettes! ahhhhh e traz um íman pro meu frigorífico! hihihi! saudades!

    ResponderEliminar
  5. Um grande beijo.

    Obrigada por partilhares a tua aventura.

    Rui Baltazar

    ResponderEliminar