Dakar - Gambia

9 Junho 2009 – 11º dia de viagem

A caminho da Gâmbia são só 270 km. Saímos do camping rumo a Rufisk para pôr gasolina, cidade que tivemos de atravessar e que demorou quase uma hora, com um trânsito caótico, milhares de pessoas na estrada, cabras, vacas, vendedores, camiões podres e vagarosos. 100 km à frente, no desvio em Fatik descobrimos que a barcaça que nos levaria até ao outro lado do rio estava avariada. Tivemos de subir até Kaolac e voltar para baixo de novo, mais cerca de 70 km que o plano inicial. Depois da cidade atalhámos por uma estrada cheia de buracos. Aquilo não era uma estrada, eram crateras rodeadas de alcatrão, era mais fácil ir pela berma, uma pista de cada lado da estrada por onde todos circulam. 80 km e duas horas e meia depois apanhámos de novo o track original, uma estrada boa que nos levou até à fronteira, uma linha entre dois países, cheia de lojas de cada lado, uma linha atulhada de gente.

Mal chegámos fomos rodeados por mulheres a vender sacos de caju, a vender mangas, homens a vender seguros que davam para todos os países de África, crianças a vender ervas, a pedir moedas, homens a querer comprar as motos. Eram persistentes, colantes, uma multidão a fazer negócio à conta dos incautos que se arriscam a um mero sorriso. O Carlos foi tratar da papelada e até foi grátis e rápido sair do Senegal. Uns metros à frente a Gambia e lá foi de novo o Tour Leader com a documentação toda, passaporte e documentos da moto. Ficámos por ali a ver o movimento dos vendedores que não olham a fronteiras e se movem entre os dois países a tentar vender tudo sem olhar a linhas entre países. A dinâmica da fronteira é única.

Enquanto estivemos à espera, a pensar se ainda conseguiríamos chegar ao destino com luz do dia, tivemos o privilégio de assistir a um acontecimento oficial e na 1ª fila. Estávamos nós sentados à sombra, debaixo da arcada junto ao posto da polícia na fronteira quando saiu de lá um homem com um apito. Posicionou-se cá fora, aprumado e apitou. Ouviu-se por toda a região. De seguida saíram os cinco guardas da fronteira, cada um com um uniforme diferente, em fila indiana, a marchar porta fora. Cá fora, viraram à esquerda ao som do apito e à ordem do primeiro, frente ao poste da bandeira, perfilaram-se em sentido. O chefe começou a descer a bandeira.
Entretanto o barulho da fronteira parou, todos se levantaram (inclusive nós), todos em sentido virados para a bandeira, os carros foram desligados, os vendedores calaram-se, silêncio das mulheres que vendem mangas e cajus, silêncio nas lojas, silêncio dos clientes, nos transeuntes, toda a área estava num silêncio absoluto. Só se ouviam os pássaros, todo o resto do mundo estava de pé, em sentido, calados, a olhar para a cerimónia. A bandeira baixou com a praxe toda, o chefe da guarda enrolou, viraram-se e lá foram eles de volta para o posto. Após o último apito a vida voltou aquele lugar. Surreal, uma experiência singular.

Nas três horas que estivemos à espera, completamente alagada em suor, roupa colada ao corpo, encharcada, tive tempo para pensar em como tudo é realmente relativo nesta vida. O que me poderia incomodar num dia normal de escritório em que o ar condicionado estivesse a funcionar mal, aqui faz parte da rotina, é hábito, é normal. Já não me incomoda o calor, a sede faz parte da viagem, a fome controla-se bem, as camadas de pó que invadiram o equipamento e lhe mudaram a cor são normais.

Conseguimos sair da fronteira ao pôr-do-sol e pagar apenas o preço oficial do visto, uma negociação difícil do nosso responsável da viagem com dotes de diplomata . Pelos relatos de outros viajantes estávamos à espera de gastar até 100 euros. Tivemos sorte.

Já era noite e ainda tínhamos de atravessar o rio Gambia. Para chegar ao cais de embarque foi uma gincana pelas ruas estreitas da aldeia de pescadores, ruas de areia, pois a estrada estava em obras, sem sinalização e não conseguíamos perceber as placas de desvio se é que as havia.
O cais de embarque é uma feira, aquela hora, completamente às escuras. Adivinhavam-se carretas de vendedores, carrinhas velhas e barulhentas cheias de mercadorias para vender no mercado em Banjul, pessoas a circular que apenas vislumbrávamos através da luz difusa das poucas lanternas que alguns afortunados tinham. O último barco é às 11h da noite e está uma fila interminável de viaturas para passar. O bilhete do barco custa apenas 30 cêntimos mas o desafio é passar à frente da fila de quase 70 carros, senão temos de dormir por aqui e passar amanhã de manhã. Como de costume, o Azevedo conseguiu negociar a ultrapassagem do carro de apoio para a frente da fila que nos custou 30 dollars da Gambia, 1.000 CFAs, duas lanternas e dois autocolantes.

Duas horas depois embarcámos e lá se atravessou o rio. Contornámos Banjul por uma circular em alcatrão, iluminada e com vários controlos de polícia. Mas ainda faltam cerca de 60 km até uma aldeia perdida no mato, por onde se chega por uma pista sem sinalização, pista que nem me apercebi se era fácil ou difícil, bendito GPS, aquela hora só interessava chegar.

Foi a primeira vez em toda a viagem que chegamos de noite, eram 2.30h da manhã quando chegamos a Tumani Tenda. Cansados e esfomeados fomos recebidos pelo chefe da tribo Jola e por mais alguns membros da aldeia que tinham o jantar à nossa espera. De uma simpatia como já é raro, acolheram-nos com grandes sorrisos. Devorámos o jantar, delicioso e farto. Aterrei na cama, sem banho, vestida, exausta.

Percurso: 310 km

Moving time: 7:15h
Total time: 16 horas




A fronteira



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