Varela - Bissau

13 de Junho 2009 – 15º dia de viagem

Percurso: 150 km
Total time: 6 horas

Saímos de Varela encantados com a hospitalidade. De novo os 50 km de pista difícil que não acabava, a ponte de ferro e traves, estrada de terra, lombas e buracos. Em Santo Domingo lá estava a minha motita à espera, no mesmo local, com os mesmos polícias sentados à sombra mas de traje à civil, hoje é sábado.

Pelo asfalto, em direcção ao destino, a viagem foi pacífica. Chegada ao rio Cacheu e ponte nova à vista, mas apenas à vista pois está pronta acabadinha de construir mas fechada ao trânsito à espera da inauguração oficial com pompa e circunstância. Desvio para uma entrada em terra de acesso ao cais da barcaça que nos levará ao outro lado. Quando vi a barcaça até me assustei. Tinha feito 6.000 km para isto. Chamam barcaça a uma coisa flutuante, com mais de 50 anos, de madeira carcomida e ferro ferrugento que range e flutua como por milagre, entulhada de carros, de gente, de animais e camiões TIR carregados de sacos. Uma fila esperava a entrada na barcaça, meia dúzia de carros e meia dúzia de camiões, estacionados sob um sol escaldante e rodeados por pequenas barracas de madeira podre onde se vendem latas de bebida mantidas em arcas de campismo, arroz cozinhado em potes velhos e nojentos, mangas e mangas secas e podres, tudo rodeado de lixo e infestado por moscas. Um camião TIR ensaiava entrar e sair da barcaça a ver se cabia, a barcaça abanava, rangia e a linha de água subia até fazer desistir o camião de passar naquela leva. Lá foi ela, sem o camião e lá ficamos nós à espera quase duas horas, a torrar ao sol, estômago colado às costas, a desejar que continuasse a haver barcaça para chegarmos ao destino.
Quando por fim embarcámos, no fim da linha, no extremo da plataforma flutuante, as motos ficaram encaixadas umas nas outras o carro de apoio meio encavalitado no passadiço que não pode levantar. Nem me conseguia mexer, tinha meio metro de área para estar, rodeada pelas motos, por uma carrinha esmurrada e podre com um borrego preso no tecto, embrulhado num plástico, que balia desconsoladamente, galinhas a passear aos meus pés, alguidares de arroz e peixe fedorento, gente a falar muito depressa, trouxas de pano cheias de qualquer coisa com cheiro intenso. Sem nenhuma sombra para proteger, o sol não perdoou, aqueceu e queimou sem dó até me pintar de vermelho, até me fazer baixar a tensão e voltou a tontura e o sufoco, a atmosfera carregada e sufocante, a vontade de chegar ao outro lado.

Uma caixa rectangular, flutuante, com uma turbina na ponta e uma chaminé que deitava um fumo negro e intoxicante, dava pelo nome de barco, o barco que empurrava a barcaça. Encostou-se a ela e foi empurrando, lentamente, esforçadamente, junto aos arcos da ponte nova, até à outra margem. Aquela meia hora de travessia foi um desespero. Do outro lado, procurámos uma sombra e lá fiquei eu a comer açúcar e beber água e descansar da travessia mais perigosa que tivemos em toda a viagem, num país que também já nos tinha oferecido a pista mais difícil do percurso.

Percorri os últimos 60km até Bissau numa velocidade calma e atenta aos porcos e vacas que se atravessavam na estrada, atenta aquela paisagem cerrada, luxuriante, de árvores com nomes estranhos salpicadas de coqueiros, o verde emoldurado pelo vermelho da terra. Queria ir devagar, saborear o limite final da Viagem que iria acabar rapidamente. Os rapazes iam mais depressa, desapareceram ao longe, fiquei como de costume na companhia da imagem longínqua do carro de apoio reflectida no retrovisor. Percebe-se o aproximar da cidade, há mais carros na estrada, aparecem casas e mais casas, grandes vivendas, carros mais modernos, entra-se em Bissau sem se dar por isso, não há placa, não há indicações, há uma estrada que se transforma numa avenida enorme, com duas faixas de cada lado de um bocado de terra.

A confusão de trânsito vai aumentando, muita gente nas ruas, centenas de táxis Mercedes antigos azul metalizado, furgonetas esmurradas e ferrugentas misturam-se com carros de alta cilindrada de vidros escuros subidos, jipes e pick-ups agressivas e polidas. E muita gente no que parece um passeio, bancas de vendedores, casas degradadas com grades nas portas e janelas, buracos na estrada, crateras nos passeios, música alta, buzinadelas, travagens e discussões.

Só depois de passarmos a segunda vez pela Residencial Coimbra é que percebemos que aquela vivenda discreta era o Hotel onde iríamos ficar alojados, seguindo o conselho da mamã Fá que nos recomendou ao Alexandre, o proprietário do Hotel que é uma referência e um porto seguro para todos os Portugueses que viajam para Bissau.

São cinco da tarde e chegámos ao destino.

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